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PAIS x FILHOS - O AMOR POR SI SÓ BASTA?


O segredo é o modo como os pais interagem com os filhos quando as emoções se exaltam.

Porque, para se educar um filho, o intelecto só não basta.


Essa é uma época difícil para os filhos, e também para os pais. Houve uma enorme mudança na natureza da infância nesses últimos dez ou vinte anos. Essa mudança torna mais difícil para a criança aprender as lições básicas do coração e exige mais dos pais que costumavam transmitir essas noções a seus filhos queridos. Os pais precisam ser mais espertos para ensinar aos filhos noções emocionais e sociais básicas.


Talvez essa necessidade jamais tenha sido tão urgente. Vejam as estatísticas. Nas últimas décadas, o número de homicídios entre adolescentes quadruplicou, o número de suicídios triplicou, o de estupros dobrou. Por trás de estatísticas sensacionalistas como essas há um mal-estar emocional mais generalizado. Uma amostragem nacional feita com mais de duas mil crianças americanas, avaliadas por pais e professores— primeiro em meados da década de 70, depois no final da década de 80 —, verificou que as habilidades emocionais e sociais básicas da criança vêm decaindo a longo prazo. Em geral, as crianças estão mais nervosas e irritadiças, mais mal-humoradas, mais deprimidas e solitárias, mais impulsivas e desobedientes — decaíram em mais de quarenta itens. (John Gottman, 1997)


Por trás dessa deterioração, há forças maiores. Podemos observar que a nova realidade econômica significa que agora os pais precisam trabalhar mais do que nas gerações passadas para sustentar a família — o que supõe que hoje a maioria dos pais tem menos tempo livre para passar com os filhos do que seus pais tinham para passar com eles. Cada vez mais famílias vivem longe dos parentes, muitas vezes em bairros em que os pais têm medo até de deixar seus filhos pequenos brincarem na rua, quanto mais de deixá-los ir à casa de um amigo. E as crianças estão passando cada vez mais tempo diante de uma tela de vídeo — seja assistindo à tevê, seja olhando para um monitor de computador, celular, tablet — o que significa que elas não estão brincando com outras crianças.

Porém se olharmos atentamente ao longo de toda a história da humanidade, foi com os pais, parentes e vizinhos e brincando com outras crianças que a criança aprendeu técnicas emocionais e sociais básicas.


As consequências para quem não aprende os fundamentos da inteligência emocional ficam cada vez mais funestas. Indícios sugerem, por exemplo, que as meninas que não aprendem a distinguir sentimentos como ansiedade e fome são mais propensas a distúrbios alimentares, ao passo que as que têm dificuldade de controlar os impulsos na primeira infância são mais propensas a engravidar no final da adolescência. Em meninos, a impulsividade dos primeiros anos pode anunciar uma grande tendência à delinquência ou à violência. E, em todas as crianças, a inabilidade para lidar com a ansiedade e a depressão é um fator que aumenta o risco de abuso de drogas ou álcool no futuro. (John Gottman, 1997)


Diante dos acontecimentos, os pais precisam aproveitar ao máximo os preciosos momentos de convivência com seus filhos para treiná-los no exercício de habilidades humanas chaves como compreender pensamentos perturbadores e lidar com eles, autocontrole e empatia.


Surpreendentemente, hoje, os conselhos que a sabedoria popular dá aos pais não mencionam o mundo da emoção. Eles se fundamentam em teorias educativas que abordam o mau comportamento infantil, mas não dão importância aos sentimentos que estão por trás deste mau comportamento. No entanto, o objetivo primordial da educação infantil não deveria ser apenas formar crianças obedientes e cordatas. Quase todos os pais almejam muito mais que isso para seus filhos. Desejam que eles sejam pessoas direitas e responsáveis que contribuam para a sociedade, que sejam suficientemente fortes para fazer suas próprias escolhas, que gozem o que conquistaram como o próprio talento, que aproveitem a vida e os prazeres da vida, que tenham bons amigos, façam bons casamentos e sejam bons pais.


Pesquisas apontam que o amor, por si só, não basta. Muitos pais carinhosos e presentes às vezes têm uma postura diante das próprias emoções e das de seus filhos que os impede de conversar com as crianças quando estão tristes ou com medo ou irritados. Embora o amor por si só não baste, a canalização desse amor para algumas técnicas básicas praticadas pelos pais como se fossem preparadores emocionais de seus filhos se mostra suficiente. O segredo é o modo como os pais interagem com os filhos quando as emoções se exaltam.

Porque, para se educar um filho, o intelecto só não basta. Para se educar bem um filho, é preciso mexer com uma dimensão da personalidade que vem sendo ignorada na maioria dos conselhos dados aos pais nos últimos quarenta anos. É preciso mexer com a emoção.


Na última década, a ciência descobriu muita coisa sobre o papel da emoção em nossa vida. Os pesquisadores verificaram que até mais do que o QI, a percepção emocional e a capacidade de lidar com os sentimentos determinam o sucesso e a felicidade da pessoa em todos os setores da vida, inclusive o das relações familiares.


Para os pais, isso que muitos estão chamando de ”inteligência emocional” significa perceber os sentimentos dos filhos e ser capaz de compreendê-los, tranquilizá-los - guiá-los.


Para os filhos, que aprendem com seus pais como funciona a emoção, inteligência emocional envolve a capacidade de controlar os impulsos, adiar a gratificação, motivar-se, interpretar as insinuações da sociedade e lidar com os altos e baixos da vida.


“A família é nossa primeira escola de aprendizado emocional”, Goleman, psicólogo e autor de Inteligência emocional, um livro que descreve com riqueza de detalhes a pesquisa científica que promoveu uma crescente compreensão sobre este artigo. “Neste cadinho íntimo, aprendemos como nos sentir em relação a nós mesmos e como os outros reagirão aos nossos sentimentos; como pensar sobre esses sentimentos e que escolhas temos ao reagir; como interpretar e expressar esperanças e medos. Essa formação emocional se dá não apenas através das coisas que os pais dizem e fazem aos filhos diretamente, mas também dos modelos que oferecem para lidar com os próprios sentimentos e com os que existem entre marido e mulher. Alguns pais são ótimos professores emocionais, outros são terríveis.”


Estudos contam uma história simples porém palpitante. Verifica-se que basicamente há dois tipos de pais: os que orientam os filhos no mundo da emoção e os que não orientam.


Como já citei em PAIS E FILHOS X EDUCAÇÃO EMOCIONAL pesquisas mostram que pais que se envolvem com o sentimento dos filhos são chamado de “preparadores emocionais”. Assim como o preparador físico de um atleta, eles ensinam aos filhos estratégias para lidar com os altos e baixos da vida. Não se opõem às manifestações de raiva, tristeza ou medo dos filhos. Nem as ignoram. Ao contrário, aceitam as emoções negativas como coisas que fazem parte da vida e aproveitam os momentos de exaltação emocional para ensinar aos filhos importantes lições de vida e construir um relacionamento mais íntimo com eles.


— Quando Jennifer está triste, é uma oportunidade importante que a gente tem para se unir — diz Maria, mãe de uma das crianças de cinco anos de um estudo feito por John Gottman. — Digo a ela que quero conversar com ela, saber como ela está se sentindo.


No exemplo acima observamos como muitos pais preparadores emocionais interagem com seus filhos - Dan, o pai de Jennifer, acha que é quando está triste ou irritada que a filha mais precisa dele. Mais do que qualquer outro tipo de interação entre os dois, acalmá-la “faz com que eu me sinta pai”, diz Dan. (John Gottman, 1997)


Pode-se dizer que pais treinadores da emoção como Maria e Dan são “carinhosos” “positivos” com a filha, o que na verdade são. Mas ser carinhoso e positivo com os filhos não basta para fazê-los desenvolver a inteligência emocional. Na verdade, é comum os pais serem bastante amorosos e atenciosos e, no entanto, não conseguirem lidar de forma eficiente com as emoções negativas dos filhos. Entre esses pais incapazes de ensinar inteligência emocional aos filhos, identifica-se três tipos:


1) Pais simplistas, que não dão importância, ignoram ou banalizam as emoções negativas da criança.


2) Pais desaprovadores, que são críticos das demonstrações de sentimentos negativos dos filhos e podem castigá-los por exprimirem as emoções.


3) Pais laissez-faire, que aceitam as emoções dos filhos e demonstram empatia por eles, mas não os orientam nem lhes impõem limites.


Para ilustrar como cada tipo de pai reage de maneira diferente aos filhos, imaginem Diane, cujo filhinho fez manha para não ir para a creche, em cada um desses papéis.


Se fosse uma mãe simplista, ela poderia dizer ao filho que é uma ”bobagem” ele não querer ir para a creche, que não há razão para ele ficar triste por sair de casa. Depois ela pode tentar fazer com que ele esqueça a tristeza, talvez comprando-o com um biscoito ou conversando sobre as atividades divertidas programadas pela professora.


Como mãe desaprovadora, Diane poderia ralhar com Joshua por não querer colaborar, dizendo-lhe que estava cansada daquela manha e ameaçando bater nele.


Como mãe condescendente, Diane poderia abraçar Joshua quando o menino estava furioso e triste, demonstrar sua empatia, dizer-lhe que é perfeitamente natural que ele queira ficar em casa. Mas aí ela ficaria numa enrascada. Não quer ralhar com o filho, bater nele nem comprá-lo, mas ficar em casa também não é uma opção. Talvez ela acabasse fazendo um trato: brinco dez minutos com você, mas depois você vai sair sem chorar. Isto é, até amanhã de manhã.


E o que faria de diferente uma preparadora emocional?

Ela poderia começar como a mãe condescendente, mostrando empatia, compreendendo a tristeza do menino. Mas iria além, orientando-o sobre o que fazer com os sentimentos desagradáveis. A conversa poderia ser mais ou menos assim:


Diane. Vamos vestir o casaco, Joshua. Está na hora de sair.

Joshua: Não! Não quero ir para a creche.

Diane. Não quer? Por quê?

Joshua: Porque eu quero ficar aqui com você.

Diane. Quer?

Joshua: É, eu quero ficar em casa.

Diane. Puxa, acho que sei exatamente o que você está sentindo. Às vezes me dá vontade de ficar encolhidinha na poltrona com você, vendo um monte de livros em vez de ir para a rua. Mas sabe de uma coisa? Eu prometi solenemente ao pessoal lá do escritório que chegaria às nove horas e não posso quebrar a promessa.

Joshua: (começando a chorar): Mas por quê? Isso é sujeira. Eu não quero ir.

Diane. Vem cá, Josh. (Pegando-o no colo.) Sinto muito, meu amor, mas a gente não pode ficar em casa. Aposto que você está aborrecido com isso, não está?

Joshua (balançando a cabeça): Estou.

Diane. E meio triste?

Joshua: É.

Diane. Eu também estou meio triste. (Ela o deixa chorar um pouco e continua a abraçá-lo, deixando-o desabafar.) Já sei o que a gente pode fazer. Vamos pensar no dia de amanhã, quando não tem trabalho nem creche. Vamos poder passar o dia todinho juntos. Tem alguma coisa especial que você queira fazer amanhã?

Joshua. Comer panqueca e ver desenho?

Diane. Claro, vai ser muito legal. Que mais?

Joshua: A gente pode levar meu carrinho no parque?

Diane. Acho que sim.

Joshua: E o Kyle também pode ir?

Diane: Vamos ver. A gente vai ter que perguntar à mãe dele. Mas agora está na hora de sair, tá bem? Joshua: Tá.


À primeira vista, a mãe treinadora da emoção pode se confundir com a mãe simplista porque ambas levam Joshua a pensar em algo que não é ficar em casa. Mas há uma diferença importante. Como treinadora da emoção, Diane reconheceu a tristeza do filho, ajudou-o a nomeá-la, deu-lhe uma chance de vivenciar seus sentimentos e ficou com ele enquanto ele chorava. Não tentou fazê-lo pensar em outra coisa. Nem o repreendeu por estar triste, como a mãe desaprovadora. Mostrou-lhe que respeita seus sentimentos e considera válidos seus desejos.


Ao contrário da mãe condescendente, a mãe treinadora da emoção impôs limites. Perdeu um pouco mais de tempo para lidar com os sentimentos do Joshua, mas mostrou-lhe que não chegaria atrasada no escritório, ”quebrando a promessa” feita aos colegas. Joshua ficou aborrecido, mas esse foi um sentimento com o qual tanto ele quanto Diane puderam lidar. E quando Joshua teve uma chance de identificar, vivenciar e aceitar a emoção, Diane mostrou-lhe que era possível deixar para trás aquela tristeza e antecipar o divertimento do dia seguinte.


Esta reação é parte do processo de preparação emocional que John Gottman, 1997 e seus colegas de pesquisa revelaram em seus estudos das interações bem-sucedidas entre pais e filhos. O processo se dá em geral em cinco etapas. Os pais:


1) Percebem as emoções da criança.


2) Reconhecem na emoção uma oportunidade de intimidade ou aprendizado.


3) Ouvem com empátia, legitimando os sentimentos da criança.


4) Ajudam a criança a encontrar as palavras para identificar a emoção que ela está sentindo.


5) Impõem limites ao mesmo tempo em que exploram estratégias para a solução do problema em questão.


Fonte: John G. (1997) Inteligência Emocional e a Arte de Educar Nossos Filhos. Ed. Objetiva.

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