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A IMPORTÂNCIA DA VIDA AFETIVA


“O coração tem razões que a própria razão desconhece.”

Quais são essas razões?


São nossos afetos que dão o colorido especial à conduta de cada um e às nossas vidas. Eles se expressam nos desejos, sonhos, fantasias, expectativas, nas palavras, nos gestos, no que fazemos e pensamos. É o que nos faz viver.

Para falarmos de afetos, seria preferível dar a palavra aos poetas. Estes sim, expressam-nos de uma maneira tão clara, tão precisa, que traduzem com perfeição estados internos que não cabem na racionalidade científica:


Quanto mais desejo

Um beijo seu

Muito mais eu vejo

Gosto em viver

(Djavan. Pétala)


Por que os psicólogos precisam falar da vida afetiva?

Porque ela é parte integrante de nossa subjetividade. Nossas expressões não podem ser compreendidas, se não considerarmos os afetos que as acompanham. E, mesmo os pensamentos, as fantasias — aquilo que fica contido em nós — só têm sentido se sabemos o afeto que os acompanham. Por exemplo, aquela ideia de que o melhor amigo irá se sair mal em uma competição, só adquire sentido quando descobrimos que sua origem está na inveja que se tem dele. O Psicólogo, em seu trabalho, não pode deixar de lado esse aspecto constitutivo da subjetividade — a vida afetiva — e estudar apenas a vida cognitiva e racional dos indivíduos. Agindo assim, certamente não irá compreendêlos em sua totalidade.


Por tanto amor

Por tanta emoção

A vida me fez assim

Doce ou atroz

Manso ou feroz

Eu, caçador de mim.

(Sérgio Magrão e Luís C. Sá. Caçador de mim)


Pense em quantas vezes você já programou uma forma de agir e, na hora “H”, comportou-se completamente diferente. Por exemplo, uma jovem soube algo de seu namorado que a aborreceu, mas ela racionalmente resolveu não criar caso e pensou: “Quando ele chegar, vou ser carinhosa e não vou deixar transparecer que me aborreci” e, de repente, quando o tem à sua frente, ela se vê esbravejando, agredindo, enciumada. Seus afetos a traíram. Foi difícil ou, no caso, impossível contê-los. Tanto nesse exemplo, como em muitas situações de vida, não há a mediação do pensamento — são os afetos que determinam nosso comportamento. É nesta circunstância que se ouve aquela frase tão corriqueira: “Como ele é impulsivo!”.

Por isso, os afetos são importantes para os psicólogos.

Marx afirmou “que o homem se define no mundo objetivo não somente em pensamento, senão com todos os sentidos (...). Sentidos que se afirmam, como forças essenciais humanas (...). Não só os cinco sentidos, mas os sentidos espirituais (amor, vontade...)”


O ESTUDO DA VIDA AFETIVA


O estudo da razão tem sido privilegiado no interesse dos homens, principalmente na ciência, pois os afetos têm sido vistos como deformadores do conhecimento objetivo. Mesmo na Psicologia, não são todas as teorias que consideram a importância da vida afetiva, tendo, muitas delas, priorizado apenas o estudo da cognição, das funções intelectivas.

Consideramos que estudar apenas alguns aspectos do homem é considerá-lo como um ser fragmentado, correndo-se o risco de deixar de analisar aspectos importantes.

Como diz Bader Sawaya:

“O homem se afirma no mundo objetivo, não só no ato do pensar, mas com todos os sentidos, até com os sentidos mentais (vontade, amor e emoção)”.


Minha mãe achava estudo

A coisa mais fina do mundo,

Não é.

A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,

Ela falou comigo:

“Coitado, até essa hora no serviço pesado”.

Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com

Água quente.

Não me falou em amor,

Essa palavra de luxo.


A vida afetiva, ou os afetos, abarca muitos estados pertencentes à gama prazer-desprazer, como, por exemplo, a angústia em seus diferentes aspectos — a dor, o luto, a gratidão, a despersonalização — os afetos que sustentam o temor do aniquilamento e a afânise, isto é, o desaparecimento do desejo sexual.

Ao procurarmos compreender a vida afetiva, é importante adotarmos a terminologia adequada por tratar-se de uma área de estudo repleta de nuances. Portanto, se até o século 19 usavam-se, indiscriminadamente, termos como emoção e sentimento, hoje, no estudo da vida afetiva, já fazemos uma distinção mais precisa entre esses termos:

• a emoção: estado agudo e transitório. Exemplo: a ira.

• o sentimento: estado mais atenuado e durável. Exemplo: a gratidão, a lealdade.


OS AFETOS


Os afetos podem ser produzidos fora do indivíduo, isto é, a partir de um estímulo externo — do meio físico ou social — ao qual se atribui um significado com tonalidade afetiva: agradável ou desagradável, por exemplo. A origem dos afetos pode também nascer, surgir do interior do indivíduo.

O universo dos afetos é comunicável na medida que as representações de coisa e palavra formam, com os afetos, um complexo psíquico inteligível. É importante lembrar aqui que, para a Psicanálise, não há afeto sem representação, isto é, sem ideia. Se assim fosse, poderíamos ter a impressão que existe afeto solto dentro de nós — uma sensação de mal-estar, por exemplo —, isso porque a ideia à qual o afeto se refere pode estar inconsciente.

O prazer e a dor são as matrizes psíquicas dos afetos, ou se constituem em afetos originários. Entre estes dois extremos encontram-se inúmeras tonalidades, intensidades de afetos, que podem ser vagos, difíceis de nomear ou discriminados.


Com açúcar, com afeto

Fiz seu doce predileto

Pra você parar em casa.

(Chico Buarque de Olanda)


Existem dois afetos que constituem a vida afetiva: o amor e o ódio. Estão sempre presentes na vida psíquica — de modo mais ou menos integrado —, associados aos pensamentos, às fantasias, aos sonhos e se expressam de diferentes modos na conduta de cada um.

Freud, quando postulou a teoria do Complexo de Édipo, concebeu-o como conflito desses afetos básicos (ambivalência de sentimentos), pois uma das suas principais dimensões é a oposição entre “um amor fundamentado e um ódio não menos justificado, ambos dirigidos à mesma pessoa”.


As aparências enganam

Aos que odeiam e aos que amam

Porque o amor e o ódio

Se irmanam na fogueira das paixões.

(Tunai e Sérgio Natureza. As aparêencias enganam)


Os afetos ajudam-nos a avaliar as situações, servem de critério de valoração positiva ou negativa para as situações de nossa vida; eles preparam nossas ações, ou seja, participam ativamente da percepção que temos das situações vividas e do planejamento de nossas reações ao meio. Essa função é caracterizada como função adaptativa.


Os afetos também têm uma outra característica — eles estão ligados à consciência, o que nos permite dizer ao outro o que sentimos, expressando, através da linguagem, nossas emoções. E é isso o que fazem, incessantemente, os poetas, até mesmo quando não querem falar:



Contudo, muitas vezes os afetos são enigmáticos para quem os sente. Exemplos: quando temos muitos motivos para não gostar de alguém de quem gostamos; ou quando deveríamos ser gratos a alguém de quem temos raiva. Há motivos dos afetos que estão fora do campo da consciência; nem mesmo quem os vivência consegue explicar — só sente a estranheza daquele sentimento que parece “fora do lugar”.


Eu queria ficar triste

Mas não consigo parar de rir...


Os afetos também podem ser enigmáticos para aqueles que os supõem em nós a partir de alguma expressão, isso porque, muitas vezes, nossa reação não condiz com o que sentimos (com que o outro esperava), ou seja, nem sempre o comportamento está em conformidade com os nossos afetos, os quais não queremos (ou não podemos) demonstrar.


Nada ficou no lugar

Eu quero quebrar essas xícaras

Eu vou enganar o diabo

Eu quero acordar sua família

Eu vou escrever no seu muro

E violentar o seu gosto

Eu quero roubar no seu jogo

Eu já arranhei os seus discos.

Que é pra ver se você volta

Que é para ver se você vem

Que é pra ver se você olha pra mim.

(Adriana Calcanhoto. Mentiras)


AS EMOÇÕES


As emoções são expressões afetivas acompanhadas de reações intensas e breves do organismo, em resposta a um acontecimento inesperado ou, às vezes, a um acontecimento muito aguardado (fantasiado) e que, quando acontece...

Nas emoções é possível observar uma relação entre os afetos e a organização corporal, ou seja, as reações orgânicas, as modificações que ocorrem no organismo, como distúrbios gastrointestinais, cardiorrespiratórios, sudorese, tremor. Um exemplo comum é a alteração do batimento cardíaco.


Meu coração

Não sei por quê

Bate feliz

Quando te vê.

(PIxinguinha. Carinhoso)


Durante muito tempo, acreditou-se no coração como o lugar da emoção, talvez pelo fato de, ao manifestar-se, vir frequentemente acompanhada de fortes batimentos cardíacos. Por isso, até hoje desenhamos corações para dizer que estamos apaixonados.


Amigo é coisa pra se guardar

Debaixo de sete chaves

Dentro do coração.

(Milton Nascimento e Fernando Brant. Canção da América)


Outras reações orgânicas acompanham as emoções e revelam vivências ou estados emocionais do indivíduo: tremor, riso, choro, lágrimas, expressões faciais etc. As reações orgânicas fogem ao nosso controle. Podemos “segurar o choro”, mas não conseguimos deixar de “chorar por dentro”, sentindo aquele nó na garganta e, às vezes, tentamos, mas não conseguimos segurar duas ou três lágrimas que escorrem, traindo-nos, demonstrando nossa emoção.

Assim como o riso e a aceleração dos batimentos cardíacos, o choro — cantado e recantado pelos poetas como expressão de amor, saudade e desejo — é uma das reações mais frequentes e comuns em nossa cultura.


Todas essas reações de que vimos falando são importantes descargas de tensão do organismo emocionado, pois as emoções são momentos de tensão em um organismo, e as reações orgânicas são descargas emocionais.


Se eu chorasse

Talvez desabafasse

O que sinto no peito

E não posso dizer

Só porque não sei chorar

Eu vivo triste a sofrer.


Infelizmente, nossa cultura estimula algumas reações emocionais e reprime outras. Os homens sabem bem disso. “Homem não chora” é uma das frases mais comuns na educação de nossos jovens.

Infelizmente, o senso comum não foi sensível para aprender com os poetas que se chora, sim, e que choro é expressão de vida afetiva, de amor e de ódio; de força de um organismo que se adapta a uma situação de tensão — nunca sinal de fraqueza!


Por outro lado, as reações emocionais orgânicas são, até certo ponto, aprendidas, ou seja, nosso organismo pode responder de diversas maneiras a uma situação, mas a cultura “escolhe” algumas formas como sendo mais adequadas a determinadas situações ou tipo de pessoas (por exemplo, de acordo com a idade, o sexo ou a posição social).

Durante nossa socialização, aprendemos essas formas de expressão das emoções aceitas pelo grupo a que pertencemos.

Assim, passamos a associar reações do organismo às emoções, as quais podemos distinguir. Por exemplo, distinguimos o choro de tristeza do choro de alegria; o riso de alegria do riso de nervoso.


As emoções são muitas: surpresa, raiva, nojo, medo, vergonha, tristeza, desprezo, alegria, paixão, atração física — ora são mais difusas, ora mais conscientes; às vezes encobertas, às vezes não.

As emoções, por estarem ligadas diretamente à vida afetiva — aos afetos básicos de amor e ódio — estão ligadas também à sexualidade (amor).


Quando transmites o calor

De tua mão para o meu corpo

Que te espera

Me deixas louca

E quando sinto que teus braços

Se cruzaram em minhas costas

Desaparecem as palavras

Outros sons enchem o espaço

Você me abraça

A noite passa

Me deixas louca.


Não temos por que esconder nossas emoções. Elas são nossa própria vida, uma espécie de linguagem na qual expressamos percepções internas; são sensações que ocorrem em resposta a fatores geralmente externos. São fortes, passageiras; intensas, mas não imutáveis. Isto quer dizer que o que hoje nos emociona, poderá amanhã não nos emocionar mais.


Essa força e mutabilidade foi expressa neste poema de Vinícius de Moraes:

De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.


OS SENTIMENTOS


Os afetos básicos (amor e ódio), além de manifestarem-se como emoções, podem expressar-se como sentimentos.

Os sentimentos diferem das emoções por serem mais duradouros, menos “explosivos” e por não virem acompanhados de reações orgânicas intensas.

Assim, consideramos a paixão uma emoção, e o enamoramento, a ternura, a amizade, consideramos sentimentos, isto é, manifestações do mesmo afeto básico — o amor.


O importante é compreender que a vida afetiva — emoções e sentimentos — compõe o homem e constitui um aspecto de fundamental importância na vida psíquica. As emoções e os sentimentos são como alimentos de nosso psiquismo e estão presentes em todas as manifestações de nossa vida. Necessitamos deles porque dão cor e sabor à nossa vida, orientam-nos e nos ajudam nas decisões. Enfim, são elementos importantes para nós, que não podemos nos compreender sem os sentimentos e as emoções.


Socorro, não estou sentindo nada.

Nem medo, nem calor, nem fogo.

Não vai dar mais pra chorar.

Nem pra rir.

Socorro, alguma alma, mesmo que penada,

me empreste suas penas.

Já não sinto amor nem dor,

Já não sinto nada.

Socorro, alguém me dê um coração,

Que esse já não bate nem apanha.

Por favor, uma emoção pequena,

Qualquer coisa.

Qualquer coisa que se sinta,

Tem tantos sentimentos,

Deve ter algum que sirva.

Socorro, alguma rua que me dê sentido,

Em qualquer cruzamento,

Acostamento,

Encruzilhada.

Socorro, eu já não sinto nada.

(Arnaldo Antunes e Alice Ruiz. Socorro)


Saber e compreender o mundo que nos rodeia é fundamental para que possamos estar nele. A apreensão do real é feita de modo sensível e reflexivo e, portanto, realizada pelo pensar, sentir, sonhar, imaginar.

Para finalizar — o poeta não poderia estar ausente! — segue o trecho de uma poesia cujos versos destacam a importância da vida afetiva:


O que pode o sentimento

não pode o saber

nem o mais claro proceder

nem o mais amplo pensamento.

(...)

Só o amor com sua ciência

nos torna tão inocentes


Fonte: BOCK, A.M.B. et all. Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. 13ed. São Paulo: Saraiva, 2000

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